Neurônios a salvo

 Cientistas ingleses anunciaram na semana passada uma vitória que ficará registrada na história da medicina. A equipe liderada pela pesquisadora Giovanna Mallucci, do conselho de pesquisa m édica da unidade de toxicologia da Universidade de Leicester, criou um composto capaz de impedir, em cobaias, a morte de neurônios. O feito abre a perspectiva de cura para diversas doenças causadas justamente pela destruição do tecido neuronal, como o Alzheimer, o Parkinson e a doença de Huntington. A experiência que levou à criação do composto foi publicada na última edição do jornal científico “Science Translational Medicine“, um dos mais respeitados do mundo.

A substância atua sobre um mecanismo associado à morte das células nervosas e que, nos últimos anos, vinha sendo alvo de estudo intenso por parte dos cientistas ingleses. Doenças como o Alzheimer e o Parkinson apresentam, entre outras características, o fato de serem provocadas pela fabricação de proteínas disformes. A produção de moléculas diferentes do que era esperado leva o próprio cérebro a ativar um sistema de defesa para impedir que a atividade continue. O problema é que, ao fazer isso, o órgão também int errompe a geração de p roteínas sem problemas e fundamentais para o funcionamento dos neurônios. A conseqüência é terrível: sem contar com proteínas vitais, as células nervosas acabam morrendo. Se o problema ocorre na área do cérebro responsável pela memória, por exemplo, esta será a função prejudicada - e é isso o que acontece no caso do Alzheimer. No Parkinson, o prejuízo costumar aparecer em regiões associadas ao controle motor, daí o surgimento de sintomas como tremores e dificuldade de equilíbrio.

No trabalho, os pesquisadores usaram cobaias com doença do príon - enfermidade neurodegenerativa cujo estudo, em animais, já apontou caminhos importantes para o entendimento do Alzheimer em humanos. Isso porque já se sabe que a morte neuronal nas duas doenças ocorre de forma semelhante. Os cientistas descobriram que uma enzima (PERK) apresenta papel fundamental na ativação do mecanismo de defesa cerebral contra as proteínas disformes. A partir disso, desenvolveram um composto - administrado de form a oral - que impede sua fabr icação. Os animais que não receberam a substância passaram a apresentar perda de memória e problemas para se movimentar. Ao final de 12 semanas, morreram. Os que tomaram o composto sobreviveram e não apresentaram nenhuma seqüela neurológica. “É a primeira vez que uma substância dada a cobaias previne uma doença cerebral“, disse Giovanna Mallucci.

O êxito da experiência foi comemorado pela comunidade científica. “A pesquisa nos dá a primeira evidência de que uma substância com potencial real para se tornar um remédio é capaz de interromper a destruição progressiva de neurônios“, afirmou o pesquisador Roger Harris, diretor do departamento de química do King`s College London, em Londres. “Este achado será julgado pela história como o ponto de virada, um marco na procura por medicamentos que possam controlar e prevenir doenças como o Alzheimer.“

O consenso, porém, é o de que há muito mais a se pesquisar antes que o composto se torne um remédio disponível. Um dos obstáculos a serem superados, por exemplo, é encontrar uma maneira de evitar que ele produza, em humanos, os efeitos colaterais observados nas cobaias. O mais severo foi o dano ao pâncreas, o que levou à perda acentuada de peso e ao aparecimento de diabetes. No entanto, a cientista Giovanna está otimista. “Não acho impossível criarmos uma droga que proteja o cérebro sem causar esses efeitos colaterais“, afirmou. O time comandado por ela continua pesquisando: está testando, em animais, o desempenho da substância em outras doenças neurodegenerativas.

Fonte: IstoÉ