A genética contra a morte súbita

 RIO - O estudo genético pode ser um importante aliado na prevenção da morte súbita, que atinge, apenas no Brasil, 250 mil pessoas por ano. No Rio para participar do 48º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica e de um debates com cardiologistas da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro, o cardiologista espanhol Ramon Brugada estuda como marcadores genéticos podem aumentar esses riscos. O objetivo é conhecer e ter estratégias para prevenir o problema. Ele é um dos maiores especialistas na área e um dos descobridores da Síndrome de Brugada, responsável por até 20% dos eventos de morte súbita cardíaca e que ocorre por uma disfunção do impulso cardíaco, mutação qu e causa arritmia ventricular.

Qual é o perfil do indivíduo mais propenso a sofrer uma morte súbita?

A morte súbita cardíaca é aquela morte inesperada, que ocorre nas primeiras horas depois do primeiro sintoma. Ela afeta, majoritariamente, pessoas adultas que padecem de uma doença coronariana, um bloqueio das artérias que irriga o músculo cardíaco. Esse bloqueio, quando é completo, causa um infarto e pode desencadear uma descarga elétrica e a morte súbita. Nos jovens, a morte súbita não costuma estar relacionada à doença coronariana, mas sim a doenças genéticas. Estes defeitos alteram a atividade elétrica do coração e podem desencadear a arritmia fatal. A morte súbita do jovem é, felizmente, pouco frequente, mas causa um enorme impacto social, sobretudo quando afeta atletas de elite.

Como estes marcadores genéticos podem ajudar a prevenir mortes? Pode citar um exemplo?

A identificação de um marcador genético no paciente permite adotar medidas de tratamen to adequadas para a doença. Além disso, podem identificar familiares portadores genéticos, que também poderão ser tratados para prevenir outras mortes na família. Por exemplo a identificação de um defeito genético associado à síndrome de QT longo nos permite começar rapidamente o tratamento com betabloqueadores para evitar a morte súbita.

Não são poucas as notícias de mortes súbitas entre atletas. Como ocorre?

A presença de doenças cardíacas associadas à morte súbita é uma contraindicação para os jogos competitivos. A atividade física é necessária para a saúde, mas, para uma pequena porcentagem da população, o esporte pode levar à morte súbita. Estas doenças podem ser detectadas mediante a realização de um exame físico, da história clínica e um eletrocardiograma.

O que um sedentário precisa fazer antes de começar a praticar exercícios físicos vigorosos?

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Voltar a praticar esportes depois de dez ou 15 anos, a típica reso lução de Ano Novo, pode acarretar em riscos importantes para a saúde. Durante este período de inatividade, o adulto pode ter desenvolvido uma doença coronariana que permaneceu silenciosa precisamente porque seu coração não tinha sido colocado sob estresse. O reinício da prática esportiva requer uma avaliação médica prévia, pois pode ser altamente perigosa neste grupo de adultos.

E na população em geral, há medidas ou políticas que diminuam o risco?

O uso de desfibrilador externo nos primeiros minutos pode salvar a vida. Ter acesso a um desfibrilador em menos de dez minutos é praticamente impossível sem um investimento público. A desfibrilação pública, o livre acesso a desfibriladores externos em espaços públicos, será uma realidade nos próximos anos. Fáceis de usar e sem nenhuma contraindicação, a implantação destes equipamentos em toda a paisagem urbana é simplesmente uma questão de tempo.

É possível saber quantas pessoas podem ser portadoras de marc adores genéticos que aumentem o risco?

A genética evoluiu rapidamente. Em apenas 20 anos foram identificados mais de uma centena de genes associados à morte súbita cardíaca, doenças que podem permanecer sem diagnóstico nas famílias e cujo primeiro sintoma pode ser, precisamente, a morte súbita. Os estudos genéticos permitem identificar os portadores dessas mutações e que se tomem medidas de prevenção para evitar uma morte súbita. Hoje acreditamos ter encontrado cerca de 50% dos genes associados à morte súbita hereditária. Pode-se calcular, então, que uma a cada 300 pessoas pode ser portador genético de uma dessas mutações.

Histórico familiar é um dos fatores de risco. É preciso investigar se alguém da família morreu de morte súbita?

A morte inexplicada é frequentemente definida como “natural” em termos forenses, o que significa “não violenta”. A possibilidade de uma doença hereditária não pode ser ignorada nos casos de morte súbita inexplicada. U ma avaliação médica básica dos familiares diretos é altamente recomendável para a prevenção de outras possíveis mortes na família.

A maioria das mortes súbitas são causadas por problemas cardiovasculares, que também estão associados ao estilo de vida. Portanto, podemos dizer que, apesar dos marcadores genéticos, os cuidados com o estilo de vida são essenciais?

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Sim, certamente. Com nossos evidências de hoje, que combinam provas clínicas e genéticas, podemos avaliar o risco genético de morte súbita e doença coronariana. Portadores de fatores genéticos devem ter muito mais empenho para manter sob controle outros fatores de risco.

Quais foram os avanços a partir da descoberta da síndrome de Brugada?

A síndrome de Brugada levou à descoberta de uma nova doença associada a alterações genéticas no canais elétricos cardíacos. Significou um grande avanço especialmente nas alterações dos canais de sódio, um componente muito importante d a geração elétrica do coração. Desde então, foram descobertos dezenas de genes associados a outras doenças elétricas, que permitiram avançar no conhecimento, diagnóstico e tratamento.

Fonte: Portal O Globo