Presidente do conselho da Roche critica governos europeus

 Patrick Straub/AP / Patrick Straub/APHumer, presidente do conselho, disse que os governos da Europa não querem pagar por medicamentos inovadores

A Europa poderá perder investimentos em pesquisa e desenvolvimento por causa da relutância de governos com problemas de caixa em pagar por medicamentos inovadores. O alerta foi feito pelo presidente do conselho de administração da Roche, Franz Humer.

Humer, que deixa o cargo na terça-feira após duas décadas na companhia farmacêutica suíça, disse que as pesquisas e o desenvolvimento vão se afastar da Europa se as companhias farmacêuticas não conseguirem lucrar com seus novos produtos na região.

“Se nós na Europa quisermos continuar entre os líderes na criação de inovações... será também preciso proporcionar um sistema que permita às companhias colher as recompensas d a inovação“, disse ele em uma entrevista. “O setor precisa continuar trabalhando intensamente com os tomadores de decisões políticas para deixar claro qual é o papel das inovações médicas.“

Seus comentários refletem uma inquietação entre as companhias farmacêuticas com a crescente falta de conexão entre a força da Europa na ciência médica e sua lenta absorção dos medicamentos inovadores que saem dos laboratórios da região.

A Europa está ficando um mercado cada vez mais difícil para as farmacêuticas - tanto em termos de preços quanto de acesso a novos produtos -, uma vez que os orçamentos de saúde estão sendo pressionados pelos programas de austeridade dos governos.

Com isso o setor está dependendo dos Estados Unidos e dos mercados emergentes para crescer, apesar de várias grandes farmacêuticas - como a Roche, Novartis e a GlaxoSmithKline - terem sede na Europa, juntamente com alguns dos maiores centros de pesquisas acadêmicas do mundo.

Humer alertou que a dificuldad e de se conseguir um retorno econômico com a pesquisa e desenvolvimento na Europa pode prejudicar os investimentos. “Se eles migrarem para outro lugar, não voltarão mais“, acrescentou ele.

Em 2012 os EUA responderam por 41% das vendas mundiais de medicamentos em termos de valor, em comparação aos 26,7% da Europa, segundo a companhia de pesquisas IMS. Para os novos medicamentos, a diferença é ainda maior, com os EUA gerando 62% das vendas de medicamentos lançados entre 2007 e 2011, em comparação aos 18% da Europa.

Humer disse que o setor precisa trabalhar com os formuladores de políticas para chegar a uma nova fórmula que recompense as farmacêuticas com base na eficácia e no valor social de seus produtos. “Os dois lados precisam fazer concessões“, disse ele. “Não existe uma solução mágica.“

Ele fez os comentários enquanto se preparava para deixar a presidência do conselho da Roche, após a assembleia anual da companhia marcada para terça-feira. Ele será substi tuído pelo diretor-presidente da Lufthansa, Christoph Franz, que está deixando o cargo.

O austríaco de 67 anos pretende continuar atuando como presidente do conselho de administração da Diageo, o grupo britânico de bebidas, e diretor do Citigroup.

A transferência do poder na Roche acontece um ano depois de Daniel Vasella ter deixado a presidência do conselho de administração da Novartis, baseada na Basileia. As mudanças no conselho levaram a especulações sobre uma possível melhora nas relações entre as companhias após anos de estremecimento, depois que a Novartis adquiriu uma participação votante de 33% na Roche com vistas a uma eventual fusão.

As opções poderão incluir um acordo para a Novartis vender de volta sua participação, mas Humer disse que a Roche não será pressionada a comprar. “Isso é negócio da Novartis, e não um problema nosso“, disse ele. “Dos pontos de vista estratégico e de desenvolvimento, isso é irrelevante.“

O executivo negou a id eia de uma f usão e disse que a Roche continuará sendo “uma companhia independente e muito bem sucedida“, apoiada pelas famílias fundadoras Hoffmann e Oeri, que controlam mais da metade dos direitos de voto.

Humer atua como presidente do conselho desde 2001 e antes disso foi executivo-chefe, supervisionando um período de expansão global da Roche que incluiu a iniciativa para assumir o controle pleno do grupo de biotecnologia americano Genentech em 2009, numa operação que envolveu US$ 47 bilhões.

O negócio reforçou a posição de liderança da Roche no mercado de medicamentos de combate ao câncer - uma área que vem despertando entusiasmo pelo potencial de criação de uma nova geração de medicamentos que ajudam o sistema imunológico a combater tumores.

Na segunda-feira a Roche sofreu um revés, quando uma comissão independente recomendou o descarte de um teste em estágio final de um medicamento contra o câncer de pulmão, depois que se constatou que ele não produziu resultados signi ficativos. Mas a companhia está desenvolvendo outros tratamentos contra o câncer promissores.

“Ainda há muito o que explorar na ciência“, disse Humer. “Isso não vai acontecer da noite para o dia, mas nos colocará cada vez mais perto não da cura, uma palavra da qual não gosto, mas sim do tratamento de muitos tipos de câncer mais como uma doença crônica“, completou.

Humer também prevê avanços em áreas ainda pouco compreendidas, como o mal de Alzheimer e o mal de Parkinson. “Há 40 anos, quando comecei no setor, era impossível imaginar que estaríamos onde estamos hoje. Mesmo assim, em 40 anos as pessoas olharão para trás, para a maneira como tratamos muitas doenças hoje, e vão dizer que estávamos na Idade Média.“

Fonte: Valor E conômico